quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

DE VERBO E CARNE

Se meu coração
não fosse verbo
rasgado
condensado
desviado
conjugado a uma vontade
de ter uma 2ª pessoa ao lado
numa segunda-feira conturbada
se esse coração só fosse carne
não me doeria tanto esta saudade.

Benedito Rodrigues

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

GERAÇÃO RETARDADA

Jovens com mentes completamente vazias,
Preocupações medíocres de uma vida superficial,
Não veem mais o mundo a sua volta,
Dependentes da tecnologia.

Geração completamente retardada,
Liguem seus celulares,entrem em suas redes sociais,
Apaguem seus intelectos,
Mostrem-se alienados,é isso que o governo quer.

Vamos compartilhar nossas idiotices,
Vamos deixar pra lá,enquanto somos roubados,
A política do pão e circo está sendo usada,
Mas quem se importa,minha foto já tem 30 curtidas.

- E aí,vamos estudar Helena?
- Eu? Estudar? Você está maluco,vou entrar em meu Facebook.
Brasil,até quando criaremos jovens retardados,
Brasília tudo está do jeito que vocês querem.

Aldiney Aguiar
Aroeiras, Coreaú - CE

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

RESULTADO DO 1º CONCURSO LITERÁRIO DE COREAÚ

A comissão organizadora do 1º Concurso Literário de Coreaú tem a honra de, finalmente, divulgar os três primeiros colocados de cada uma das duas categorias abordadas nesta sua primeira edição, são eles:

Categoria Prosa
1ª colocada - Vera Vernaide Pessoa Cavalcanti
2º colocado - Hélio de Sousa Costa
3º colocado - Antonio Aionesio Souza da Silva

Categoria Poesia
1º colocado - Francisco Kelvis Albuquerque Cavalcante 
2ª colocada - Airla Gomes Moreira Barboza
3º colocado - Francisco Edilson Silva de Souza

Parabenizamos a todos os participantes - inclusive os que não mantêm vínculo com Coreaú e que, portanto, desclassificaram-se da premiação conforme o edital. Em breve divulgaremos a data de premiação dos primeiros colados e postagem dos certificados de participação. Que este seja somente um primeiro passo.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

LAMENTO DO RIO COCÓ

Uma vida que corre,
Corre ameaçada
Por gente de muito saber
Que desmata com prazer.

Seu leito diminui
Causando inundação
Respondendo ao sofrimento,
Que faz a construção.

Apresenta solo rico
A área do manguezal
Plantas altas, plantas baixas
Bem bonitas, sem igual.

Maltratado pelo aterro
Chamado Jangurussu
Coitadinho do rio
Sem norte, nem sul.

A construção ajeitava
A pobre população 
Que do rio judiava
Pra ter seu pão.

Chora o rio de tristeza, 
Chora por desaparecer
Sabendo que o homem
Na construção vai crescer.
  
Invadido está.
Desse jeito não dá!
E o nosso rio?
Irá se acabar.

Ele ecoa um grito
Grito de trovão
Lamento do rio 
E da população. 
  
Os peixes sorrindo,
Não vejo mais!
E nem pulando
Saltos ornamentais.

Nessa terra eu cresci
E nela ficarei
Com minha gente sofrida

E as coisas que lamentei.

Airla Gomes M. Barboza

sábado, 15 de fevereiro de 2014

REMINISCÊNCIAS 2 - DE AÇUDES E DE MERAL

Quando eu era menino lá em Coreaú, uma das brincadeiras preferidas da meninada da minha idade (coisa de 10 anos) era esperar as chuvas para fazer açudes, barrando as corredeiras das águas que desciam velozes e barrentas nas ruas de terra, quando ainda não tinham sido calçadas. Ficávamos todos à tardinha, hora mais provável de cair as chuvas mais fortes, de olho no horizonte, onde se descortinava altaneira a Serra da Meruoca. Se a serra ficasse encoberta com uma densa e escura cortina de névoa, era sinal de chuva forte e hora de se iniciarem os trabalhos de construção da parede do açude. Era uma verdadeira obra de engenharia intuitiva, pois já havia o cuidado de se fazer uma barragem bem resistente reforçada com pedaços de tijolos, telhas, areia e até barro pegadiço para a impermeabilização. O interessante é que se escolhia uma "bacia hidrográfica" (claro que não se sabia nada disso), ou seja, confluências de ruas com declive para garantir grande vazão das águas e ruas estreitas, bastante para uma parede curta e alta. Como éramos intuitivamente engenheiros! Era um trabalho coletivo de muitas mãos. Tinha até divisão de tarefas, os que diziam como fazer, os que metiam a mão na massa e os olheiros, que só peruavam. O melhor desta epopeia juvenil era a excitação: enquanto a chuva caia e o açude tomava água acompanhávamos cada aumento do volume d’água espetando gravetos no chão em torno da área a ser alagada como se fosse a nossa régua de medir a velocidade da cheia. Claro que, eventualmente, os "engenheiros" erravam os cálculos e a barragem ia de água abaixo antes do previsto, mas isso também fazia parte do show, porque desencadeava um efeito dominó, arrombando todos os açudes construídos à vazante do primeiro açude que rompeu. A correria e a euforia para ver o espetáculo dos arrombamentos em série era o momento do êxtase final mais esperado: o paradoxo da desconstrução; ver tudo ir de água abaixo. Mas nem tudo era tranquilidade na área, havia o Meral. Ah, nunca mais tive notícias do Meral! O mulato, baixinho, atarracado era o tira-prazer de nossas brincadeiras. Parecia que tinha um prazer mórbido em cortar o nosso barato. Quando praticava suas pequenas maldades, esboçava um sorriso que não mostrava os dentes, parecia que sorria com as orelhas. Era amedrontador. Para segurança de nossos empreendimentos hídricos, ficava sempre um olheiro para avisar quando Meral se aproximava. Ao alerta de "lá vem o Meral", todos, num esforço único, destruíam a barragem do açude para não lhe dar o gosto deste prazer. Hoje, compreendo Meral, ele não era um menino mau; nunca nos agredia fisicamente; só queria tirar um sarro; era seu jeito próprio de se divertir. Hoje, sinto saudade até do sorriso do Meral. Na minha utopia de sonhar, os fantasmas de tantos outros Merals continuaram destruindo muitos dos meus açudes de sonhos.

Mardone França

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

REMINISCÊNCIA DA INFÂNCIA

Quando menino lá em casa (em Coreaú), minha mãe tinha uma técnica para evitar que as goteiras (a casa não tinha forro e nas primeiras chuvas apareciam as goteiras) nos molhassem quado dormíamos: por cima da rede, ela armava uma outra rede esticada no meio com um cabo de vassoura para fazer a cobertura e aparar as goteiras. Era a rede segundo andar. Era um acontecimento para nós, crianças nordestinas, que já sabíamos a importância da chuva. Cada um queria, porque queria, uma rede segundo andar, e acordar no outro dia e sair correndo pelas ruas para ver e sentir o cheiro de terra molhada.... e em muito breve pau do rio para a alegria dos periquitos e da meninada nos banhos de rio.

Mardone França
Coreauense
Prof. da UFRN

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O PARADOXO DOS SONHOS

No que digo se esconde o que nego
No que quero se esconde o que temo
E o que temo se finca em raízes
Por cuja existência me tremo
Se os anjos já estão sem asas
E os demônios não são mais que sombras
Se o medo visita as casas
Nas angústias que nos assombram
Sinto-me treva e luz constante
Numa mistura por mim rejeitada
Dizer-me uno é o mesmo que nada
Sou o paradoxo de meus sonhos.

Benedito Rodrigues
Membro da APL

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

(CON)TEXTO

A confecção textual supõe-se de um árduo trabalho intelectual que, por vezes, emerge como uma elaboração dos processos subjetivos vivenciados pelo sujeito, que encontra na arte da palavra as formas mais significativas de expressar seus sentimentos. O sujeito do texto encontra sua posição na oração acompanhado de seus predicados - dele se diz algo! Às vezes, o sujeito que se inscreve na malha textual é tão determinado que ficam explícitas suas ações. Ele fala das coisas da vida, do que viu e ouviu. Faz das histórias poesias e dos desencontros, uma crônica. 

O sujeito-texto quando adornado pelos (as)tig(os)* de luxo expressa suas preferências de gênero, seja masculino ou feminino, atribuindo-lhe uma identidade singular ou plural. O palavrear serve de passatempo prescindido de um jogo de linguagem que sublima, condensa e deslocada seus desejos, medos e expectativas numa produção discursiva que caem em rimas, métricas e polifonizam os efeitos de sentido. O texto também tem seu tempo, uma vírgula, uma pausa, um ponto que sinaliza ou finaliza suas narrativas. Os significantes que deslizam sonorificando as palavras materializadas reverberando suas representações, ideias ou pensamentos inconscientes. O sujeito-objeto revela-nos que o real é inapreensível e que o sentido da aventura existencial da escrita é sempre um contexto. 

A caneta, o lápis e o papel instrumentalizam o movimento da alma que se arrisca a bailar na fugaz dança da enunciação que dizendo o não-dito diz de si, do outro e do mundo. Os verbos, substantivos e adjetivos endossam as frases que numa singela oração entrançam suas ressonâncias. A tessitura textual vai ganhando contornos de estilos e formas de gêneros. O jogo simbólico encontra suas formas paleáveis nas metáforas e metonímias que em vez de significar equivoca-se em significantes, ou seja, as partes pelo todo. Assim, as palavras escapam, deslizam, materializam e sonorificam suas representações inconscientes que mesmo pronunciadas permanecem esquecidas onde o que aparece se desconhece.  

Ao pé da letra germinam contos, crônicas e até romances que ensaiam, discorrem, narram uma peça, um drama, enfim, teatralizam o literalmente escrito. O autor é ator, artista, poeta, dramaturgo, crítico, sínico, filósofo, ou quem sabe, tudo o que a linguagem permite nomear e quando as palavras escaparem, estas não são mais do autor, elas são apenas, simplesmente, palavras.

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[*] A expressão “(as)tig(os)” é um jogo linguístico onde a sigla “TIG” Transtorno de identidade de Gênero aparece entre os artigos “a” e “o” no plural na própria palavra artigo referenciado a política de identidade de gênero. Sendo, portanto, a palavra gênero de sentido ambíguo. 

Francisco Rogery Martins Santos Filho
Coreauense
Graduando em Psicologia - UFC

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

CARNAVAL

O sol pairava forte sobre a enorme aglomeração de pessoas, que se locomoviam, aleatoriamente, a diferentes pontos da praia. Ouvia-se, sem grande esforço, o alto barulho de músicas típicas deste período, produzido por aparelhos de som, instalados aos carros que rodeavam o local. Quase todos os presentes levavam uma garrafinha de água à mão, usavam roupas curtas e leves, propícias ao vento, já que era uma época do ano em que apesar das chuvas, fazia forte calor. Esta data é de suma importância a todos, ou quase todos, os brasileiros. Não pense o leitor que nos referimos, aqui, ao desfile de sete de setembro ou ainda à proclamação da república. Todo esse cenário descrito diz respeito ao dia que ninguém trabalha, e tampouco estuda, não por alusão a uma data marcante, que mereça destaque nas nossas memórias, muito menos por ser este, talvez, o dia do senhor. Esta terra cujos habitantes afirmam encontrar-se a nacionalidade de Deus, está em pleno regozijo por ser o dia mais célebre, sublime e de imensurável valor para os nossos cidadãos, o carnaval. 

Em meio à multidão, não se sabe exatamente onde, tamanho o fluxo espantoso de pessoas neste evento, havia um rapaz que tinha André por seu nome, ele era um carnavalesco assíduo, frequentava, desde os doze anos, com a mesma efervescência, o clímax do rejubilamento brasileiro, mesmo sem o consentimento de seus pais, que estavam sempre a alertá-lo sobre o crescente número de óbitos neste período. André está no ápice dos seus vinte anos, tem um metro e setenta de altura, porte físico não tão privilegiado, traz, em seu rosto, um sorriso fácil e alegre. Veio de carro com seu melhor amigo, Rafael. Rafael que compartilha da mesma ideia de André, a de que, no carnaval, tudo se pode, tudo se é lícito, tudo é bom. Tendo, por única ressalva negativa, os poucos dias que duram esse êxtase.  
Neste exato instante, nosso amigo segura um copo com cerveja, sentado em uma cadeira de plástico, típica em bares. Observa, com grande ar de satisfação, todo o movimento. Para André, nada pode propiciar-lhe tamanho gozo, quanto estar presente ali, rodeado de mulheres fáceis, ouvindo seu axé em alto e bom tom, degustando sua sagrada bebida, em um tempo onde ninguém é de ninguém. André dá uma rápida olhada a sua volta, somente então se apercebe da ausência de Rafael. 

- Deve estar por aí- disse André com desdém.

Os dois eram amigos de longa data, tinham a mesma idade, o mesmo gosto musical, além de tudo, radiavam de alegria com a chegada das festas carnavalescas, não porque encontrariam, nessa época, o descanso tão merecido por aqueles que têm cansativas jornadas de trabalho, nem porque se ausentariam dos seus árduos estudos, pois ambos os casos não se cabem a esses dois jovens. Mas, por simplesmente ser este o período áureo onde flora a vivacidade brasileira. 

André olhava duas garotas que passavam próximas a ele. Assim como todas as outras daquela praia, essas cobriam seus corpos com pouquíssimas roupas, pois com uma temperatura tão forte, era impossível para elas, coitadas, vestirem-se decentemente. De repente, uma voz levemente rouca chama-lhe a atenção. 

- André, onde você estava - indagou Rafael alegremente.

- Eu estive aqui o tempo todo, você é que saiu sem avisar – retrucou André. 

- Que moleza é essa? Desde que chegamos você está aí parado, estamos no carnaval, esqueceu? 

- Eu apenas iria terminar minha cerveja, cara.

- Larga esse copo, vamos dar algumas voltas – disse por fim Rafael. 

Os dois principiaram um lento caminhar, faziam, em seu trajeto, comentários supérfluos, que aqui não nos cabe, acerca da beleza feminina. Era neste ritmo leve que os dois amigos andavam, quando, repentinamente, André percebe um tumulto logo adiante e fala sem hesitar:

- O que será que está acontecendo ali, Rafael?  

- Só saberemos indo ate lá – respondeu Rafael já se direcionando ao local.

- Então vamos! – exclamou André, enquanto o seguia. 

Dois homens aparentemente alcoolizados brigavam entre si, ambos com suas respectivas facas, proferindo insultos um ao outro. O amontoamento em volta era colossal, algumas pessoas de boa fé tentavam segurar os brigões, porém, estes manuseavam suas armas rumo àqueles que se opusessem ao confronto, que deve ter se iniciado, embora não saibamos exatamente como, por alguma causa fútil, como é tradicional nessas épocas de muita festa. No entanto, de súbito, um rapaz interveio, segurando um dos homens, enquanto outros presentes imobilizavam o segundo. O que não era de esperar, todavia, era que em um último reavivamento de suas forças, o primeiro homem livrar-se-ia dos braços que o aprisionavam e em uma ação impulsional e colérica, acabasse por ferir o estômago de quem o segurava. Percebendo a fatalidade, logo um grupo de carnavalescos socorreu o rapaz, imobilizando também o bêbado que se soltara. O assombro foi generalizado, o rapaz sentia bastante dor, o golpe o ferira um pouco abaixo do umbigo, seu órgão interior estava exposto, André corria risco de vida. 

Rafael, mais depressa que pôde, auxiliado pelos demais que assistiram à cena, pôs André em seu carro e se encaminhou ao hospital mais próximo. Durante todo o caminho, Rafael condenava, intimamente, a atitude imprudente de seu irmão, desculpe-nos o leitor, o vocábulo, mas para aqueles que crescem juntos, não há palavra que designe melhor esse laço recíproco do que o por nós, aqui, empregado.

Logo à entrada, o porteiro do hospital ajudou Rafael a carregar André a uma sala de cirurgia, porém o funcionário comunicou Rafael que o único cirurgião daquele posto estava ausente, pois era feriado. Rafael desesperou-se, mas antes de qualquer outra reação por parte deste, o porteiro, de súbito, foi à recepção e, nervosamente, narrou a urgência à senhorita ali parada, que, sem oscilar, ligou para o cirurgião.

Em certa praia, a qual não identificamos exatamente, pois, no Brasil, durante o carnaval, todas se assemelham. Um rapaz alto, hercúleo, conversava distraído com uma bela mulher, quando seu telefone celular toca, seu rosto adquire automaticamente um semblante antipático, ele atende, mas antes que a voz do outro lado pudesse proferir a mais singela palavra, o jovem exclama: - estou de folga, não importa o que seja, não volte a me ligar! – em seguida, desliga o celular, põe-no no bolso e afaga a mulher carinhosamente.     

A atendente, estupefata, olha Rafael e fala tristonha:

- Ele não vem.

Rafael, em pranto, joga-se sobre o corpo de André deitada à cama, seu estado é desolador, as lágrimas quase jorram de seus olhos. Rafael Põe a orelha rente ao peito de seu amigo, não para ouvir os batimentos do coração, porque este já não há, mas por ter a sensação de ser a este órgão, que o corpo confia seu último sopro. André jazia no leito, se aquele cirurgião houvesse atendido ao chamado, talvez, André, neste momento, estivesse vivo, mas nosso cirurgião não é tolo, não iria estressar-se, na sua folga, com alguém que nem conhecia, e não iria, sobretudo, deixar de viver plenamente a data mais célebre, sublime e de imensurável valor para nossos cidadãos, o carnaval.

Kelvis Albuquerque
Graduando em Letras (UVA)
Aroeiras, Coreaú - CE

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O CORVO

(De Edgar Allan Poe. Versão para o Cordel)












Numa meia-noite sombria,
Com fadigas corporais,
Lia um singular volume
De saberes medievais.
Prestes a adormecer,
Ouvi um leve bater.
– Há alguém em meus umbrais.

Era um desses dezembros
Sombrios e glaciais
Em que, ao chão, a lareira
Lança sombras fantasmais.
Lia nessa madrugada
Pra não pensar na amada,
Já sem nome, aliás.

Agitando-se a cortina,
Tive medos figadais.
Com o coração aos saltos,
Repeti: – Sob os beirais,
Uma visita pede abrigo.
É tarde, mas, a um amigo,
Importa-nos ser leais.

Com a coragem renovada,
Disse, em tons cordiais:
– Implora vosso perdão
Este a quem visitais.
Então, a porta abri.
Lá fora, no entanto, vi
Só as trevas noturnais.

Ante a treva, tive sonhos
Que ninguém teve iguais.
E disse o nome da amada
Pras aragens invernais.
Aquele nome tão lindo
O eco foi repetindo
Pelas vastidões campais.

Retornei para meu quarto
Com a alma em dores brutais.
Ouvindo outra vez baterem,
Lembrei-me dos vendavais: 
– A batida é na janela.
Certamente batem nela
Os ventos que vêm do cais.

Quando abri a janela,
Passou pelos meus vitrais
Um corvo grande e imponente,
Vindo de eras ancestrais.
A ave de negra pena
Pousou num busto de Atena,
Presa a um dos meus portais.

A ave estranha e escura
Amenizou os meus ais
Com o porte grave e austero
E ares fenomenais.
Perguntei, solene e terno:
– Qual é teu nome no inferno?
Disse o corvo: – Nunca Mais.

Fiquei sobremodo pasmo
Com aqueles sons guturais,
Embora pouco sentido
Tivessem os fonemas tais.
Pensei, com o semblante grave:
– O que me disse esta ave
Nunca ouviram os mortais.

Pareciam, no entanto,
Serem os fonemas finais,
Pois ficou mudo e imóvel,
Sem que eu lhe desse avais.
Perguntei: – Vais, sem tardança,
Como a minha esperança?
Ele me disse: – Errais.

Como os sons das duas falas
Não eram tão desiguais,
Eu pensei: – Quem lhe ensinou
Essas falas usuais
Foi, por certo, algum dono
Entregue ao abandono
E a carências lexicais.

Como a ave amenizava
Meus pesares colossais,
Sentei-me em frente dela,
E, com esforços mentais,
Tentei, em vão, captar
Sentidos no crocitar
E sua mensagem, ademais.

Punha o corvo, em minh’alma,
Seus olhos vis e fatais.
A maciez da poltrona,
Como afagos maternais,
Para o sono me chamava.
Mas vi que ali não estava
Lenore, que amei demais.

Com incenso, cobria o ar
Turíbulos angelicais.
– Miserável! (Disse eu)
É mister que esqueçais
Sua Lenore querida,
Que disse adeus a esta vida.
Disse o corvo: – Em vão, lutais!

Então, perguntei: – Profeta
Ou ser de hostes infernais,
O que te trouxe aqui:
Demônios ou temporais?
Há bálsamo em Gileade
Que me dê tranquilidade?
Disse o corvo: – Nem sinais.

– Profeta ou habitante
Das regiões abissais,
Acaso minh’alma aflita,
Nos páramos celestiais,
Verá, um dia, a dama
Por quem ainda se inflama?
Disse o corvo: – Nunca vais.

– Tua palavra nos separa.
Têm fim seus logros verbais.
Deixe agora esta casa!
Volta à pátria de teus pais!
Sem ligar pro que ouvia,
Disse o corvo, com energia:
– Não vou a outros locais.

A partir daquele instante
Até os dias atuais,
No alvo busto de Atena
Fincou as garras letais.
Ele a minh’alma assombra,
E, preso à sua sombra,
Não me livrarei jamais.

FIM

Stélio Torquato Lima
Poeta/Prof. da UFC

DÚVIDAS E SONHOS

O tempo corre levando a nossa vida
Com uma velocidade desenfreada
Assim como a descarga de um raio
Que ilumina o céu por segundos.
Não descansa, não pensa e nem volta...
E é nessa aflição, que tentamos
Digerir, corrigir, assumir e progredir...
Será necessário correr?
Há quem diga que sim
E há quem diga que,
O que tiver que ser, será.
Até que se tome consciência
Ficam dúvidas e sonhos no ar
E a cada momento que se passa
Buscamos, fazemos, e também, erramos.
E assim o mundo vai girando, girando...
Se gira o mundo, faz círculo e se faz círculo,
Por que nada se repete
E cada oportunidade é única?

Airla Gomes M. Barboza
Coreauense

domingo, 9 de fevereiro de 2014

NO VALE DO COREAÚ – LUGARES DE AFETOS


Entre serras e serrotes, corre um rio nascente do vale do Coreaú. Abrigada pelo semiárido, nossa cidade se aformoseia pela vegetação seca e rios intermitentes, cercada pela Caatinga com suas cactáceas e carnaubeiras que embelezam sua paisagem tipicamente sertaneja. Sob o sol escaldante ecoam-se os gritos do vaqueiro com suas boiadas, aculturando a região com as charqueadas, as paçocas, os utensílios de couro e fazendo das tripas panelada. 

A herança indígena resvala-se nas brancas palmas, tapiocas, nas redes de tucum e no pilão que bate a carne seca banhando nossa gente com a miscigenação cabocla. A criatividade dessa gente sertaneja extrai da carnaubeira o pó e a palha que, artesanalmente, entrançam o sustento dos filhos. São as chapeleiras que arrematam e enfeitam o entardecer desse sertão. O peão de chapéu de palha com enxada, foice e cabaça na mão ganha os roçados para plantar milho e feijão, aguardando a chuva para regar o chão.   

As peraltices e traquinagens dos meninos correm às ruas do Peão, do Rabo da Gata, do Pau Torto e do Alto. São infâncias que recordam as doces lembranças de quem aqui aprendeu que se deve tomar a bênção do padrinho, do padre e do vizinho. O soltar pipas, os jogos de bilas, da gata-turma, do pular amarelinha ganham tempos e espaços nas narrativas existenciais de quem um dia nessa cidade teve sua criação. 

Os sons guturais onomatopeicos coré, coré, aú, nomeia a cidade Coreaú cujos dialetos indígenas ainda vocalizam-se na fala apressada e sílabas mastigadas quase que incompreensível à um forasteiro.  A fé encontra abrigo nos muitos Santos que nomeiam à população, Maria de Fátima, da Aparecida, da Piedade, da Consolação, Benedito, Expedito, Francisco de Assis, Francisco José e tantos outros santos necessários à crença e a cultura desse povo que anualmente festeja por piedade, ou seja, amor e respeito às coisas religiosas.

Os meses de setembro, quentes e de ventos fortes, são abrilhantados com as chitas e os pés descalços dos que alcançaram sua graça. As fachadas das casas são pintadas para receber os ilustres filhos da terra, os parentes e amigos que retornam para festejar no tão esperado dia doze, onde o porco, a galinha e a roupa nova vicejam festividade.  

A cactácea como símbolo do povo sertanejo demonstra bem a capacidade do coreauense de resistir a estiagem geográfica, histórica e cultural, marginalizada pelo analfabetismo político e as carências da indústria e do investimento dos recursos públicos. Os filhos da terra são obrigados a partir em busca de uma renda familiar. Os que ficam minguam na improvisação da subsistência ou se aventuram nas humilhações de um emprego temporário.

Os vínculos familiares adentram os interiores das casas da “cumade” e do “cumpade”, estreitam laços e reforçam amizades. As piadas e prosas dão contorno ao cotidiano que nos olhares às janelas e portas especulam por quem vê passar. As partidas de futebol animam as tardes de domingo que inventam seus campeonatos, os rosários rezados dos fins de tarde e as novenas de maio.

As esperanças de uma vida melhor encontraram destino nos estudos dos filhos. Em troca de uma boa educação vendeu-se porcos, galinhas e usou-se o último cruzado para ter um filho advogado formado na capital do Ceará.  São pais agricultores, pedreiros, pescadores e carpinteiros ou lavandeiras que venceram com dignidade e respeito.  

No vale do Coreaú florescem nomes, histórias, narrativas de vidas que têm nesse sertão de dentro lugares de afetos. Ainda que partam em rumo de melhores oportunidades, um dia desejam voltar, mesmo que seja apenas para visitar, porém nunca esquecerão que em Coreaú há sempre um lugar para morar. 

Francisco Rogery Martins Santos Filho
Coreauense
Graduando em Psicologia - UFC

sábado, 8 de fevereiro de 2014

CHUVA QUE MOLHA O CHÃO

Chuva
que molha o chão
inunda-me
de ressurreição
como faz
com a terra seca
reflorindo a erva
fazendo o cheiro
de vida
se espalhar
pelo sertão
Ah, chuva
doce chuva
néctar da criação
dote divino
presença de Deus
traga-me
novo
caminhar
traga ao
povo
porque cantar
ao banhar de cor
e movimento
o marrom rachado
da sequidão.

Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

CIDADEZINHA DO INTERIOR

Na vida simples eu cheguei
Na vida simples me criei
E não fiquei a lamentar
O que não pude conquistar
Cidade pobre de ambição
Mas tem seus filhos bom coração
Cidadezinha do interior
Que há muito tempo, me conquistou
Cercada de serras ela está
A Meruoca e Tianguá
E qual será o lugar,
Que estamos a desvendar?
Banhada por um rio
Que a ela deu o seu nome
E em outras cidades corre
Mas sem a mesma fama
Berço de um nobre escritor
Raiz de um grande compositor
Que no mundo o nome firmou
Em toda canção, que cantou
Nela não se vive mais.


Airla Gomes M. Barboza
Coreauense, hoje residente em Fortaleza.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

HOMO CACTUS


Sou um cardeiro de asa,
Uma planta desfolhada,
Com raiz atada ao chão.
Tenho caule feito brasa,
De rama encarquilhada
E espinhos de proteção.
O meu leito é cova-rasa;
Sorvo seiva na alvorada;
Lanço flores na estação.
Fiz na pedra firme casa;
Cedo fruto à passarada;
Canto a vida sem refrão.
Na seca que tudo arrasa,
Sou criatura arretada:
Homem-cacto do sertão.

Eliton Meneses

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

HISTORIADORAS COREAUENSES PREPARAM LANÇAMENTO DE LIVRO E DOCUMENTÁRIO


As coreauenses Vera Lúcia Silva (comunidade de Boqueirão) e Ana Selma Silva de Aguiar (distrito de Aroeiras), ambas graduadas em História pela UVA, em breve lançarão o livro intitulado "Um oásis dos menos favorecidos da sorte": a experiência do Serviço de Promoção Humana, Camocim - CE (1962-1979). Cabe destacar que a instituição abordada no livro, além de ter grande relevância para o povo da cidade de Camocim-CE, contou com a iniciativa em sua fundação e desenvolvimento do também coreauense Prof. Benedito Genésio. 

A obra, que já se encontra impressa, será lançada pela Editora EGUS (de Sobral) e trará como anexo um documentário produzido pelas autoras. A data de lançamento ainda não tem previsão.

Aproveitamos o espaço para dizer da nossa satisfação com o lançamento das conterrâneas e pelo reconhecimento do trabalho e história do SPH. Que mais livros venham por aí!

Confira abaixo a sinopse do livro:
Fruto do seu tempo, o Serviço de Promoção Humana (SPH) tinha como norma-princípio o compromisso com a promoção humana, buscando contribuir para o desenvolvimento integral do homem, promover condições materiais para a sobrevivência, contribuir para a superação do atraso educacional que assolava o Brasil naquele momento, bem como, garantir a plenitude do espírito e da fé em Cristo. No esforço de apresentar a dinamicidade e a efervescência de tal experiência, as autoras recuperaram a pluralidade das memórias, escritas, orais e fotográficas sobre o SPH. Em quatro capítulos, dão destaque ao contexto histórico em que ele se formou, sua estrutura organizacional, seus colaboradores, principais ações e programas desenvolvidos ao longo de sua existência, bem como, apontam reflexões em busca de uma compreensão sobre o que entendem como declínio de suas atividades, ao final da década de 1970.
Benedito Rodrigues
Membro da APL

domingo, 2 de fevereiro de 2014

AO QUE VIER

Lave-se
e eleve-se
no enlevo
da promíscua
providência
de amar
sem rumo
sem guia
sem dogma
sem escudo
sem medo
Leve-se
ao longo
da longa
lua
desafortunada
na rua
criada
para dançar
ao som
da chuva
e de palavras amigas
a lua e a rua
mais que rimas
são ambas tuas
lugares
quaisquer lugares
para seres livre
ao amares
e prenderes-te
ao qualquer
ao próximo
que vier.

Benedito Gomes Rodrigues
Membro da APL

SOBRE O 1º CONCURSO LITERÁRIO DE COREAÚ

A comissão organizadora do 1º Concurso Literário de Coreaú comunica aos participantes e demais interessados que, embora no edital se estabeleça a divulgação dos resultados e a premiação para janeiro de 2014, por motivos de ordem interna da APL, tivemos que prorrogar este prazo para fevereiro. Em breve, faremos a divulgação dos resultados neste mesmo blogue.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

O TEMPO PASSA...

Várzea Grande, primeiro nome
da minha pequenina cidade,
que a muito vim de lá.

Mais tarde tornou-se Palma,
Pois a beira da estrada
No pouso dos visitantes
Uma certa negociante
Vendia broas crocantes.
Palma, dava o que falar!

A sombra da oiticica
E os cavalos apeados
Os olhos no peneirado
Era assim que o viajante
Olhava atordoado.

―Nunca vi coisa igual!
Exclamava o visitante
Tanta mulher bonita,
Em um só local.
Palma, dava o que falar!

Atualmente Coreaú
Nome dado pelos índios
Pois os pássaros que ali bebiam
No rio, que escorria
Se chamavam curiós.

O artesanato do lugar
Na feira do município
Dava gosto apresentar
Pedra, crochê e palha
E a banda a tocar.
Palma, dava o que falar!

O Tempo passa
E, também, corre
Mas não leva da memória
As lembranças de outrora.

Airla Gomes M. Barboza
Coreauense, residente atualmente em Fortaleza-CE

ZECA, O TAXISTA EM APUROS

Zeca viu que a vizinha cobiçada partira de casa rumo à escola do filho. Usava um vestido generosamente curto. Seguiu a bela como pássaro sedento rumo ao brejo. Ofereceu carona. Zeca era solteiro. Ela mal casada. A mulher aceitou, depois de olhar pros lados. Quando Zuleica sentou-se Zeca entrou em desespero. Não sabia se metia a marcha ou se enfiava-se naquele mar de tentações. Por fim saiu. Como carro pede marcha o tempo todo, Zeca se viu naquele encanto... Gostoso como sombra de igreja. Deu uma suadeira danada no trabalhador de meia idade. Zeca fez correr o dedo na testa várias vezes. Quando a dengosa chegou à escola do rebento subiu a calçada, para chegar ao portão... Generosa calçada, alta como as nuvens que encantam poetas.. De novo a cabeça de Zeca entrou em parafuso. Tudo que cobiçava e desejava há tanto tempo estava ali a sua frente, para ser... Na volta pra casa Zeca passou o tempo inteiro zonzo, abestalhado,... com um cuidado danado na criança...

João Teles de Aguiar
Professor e membro da APL

MANDACARUS E MACAMBIRAS

São 4:30 da manhã, o sol insiste em dormir mais um pouco, a lua prateia o grande sertão nordestino, o dia ainda não amanheceu. A seca que castiga o nordeste brasileiro é a maior dos últimos cinquenta anos. O gado morre a cada dia de fome e sede, sem forças para sobreviver a tão nefasta estiagem de 2013.

Na caatinga que resiste ao sol escaldante, já quase não existe mandacarus e macambiras para alimentar o esquálido rebanho. O homem valente e sofrido, que ainda carrega força e esperança no olhar , sai em busca de conseguir, longe de casa o sustento para os animais sobreviventes.O trabalho é estafante e dura a manhã inteira.Os carros de boi chegam mansamente pela estradinha de terra , transportando sacos do  “alimento”, vegetação típica do sertão.

De volta ao lar, o velho homem se depara com a morte de mais um animal que não suportou tanto sofrimento. Uma cena triste, constante nos últimos dias...

No cemitério de animais, as carcaças se espalham pelo chão, trazendo tristeza e uma saudosa recordação dos tempos de fartura, vacas gordas, pastos verdes, riachos cheios... Lembranças de um tempo feliz.

Nice Arruda
Nutricionista, natural de Icó-CE, membro da Associação Cearense de Letras e autora do livro Quase tudo de mim (Relatos de lutas, superações e vitórias)