terça-feira, 17 de dezembro de 2013

NOITE PALMENSE

No rádio tocava uma música animada. Passava da meia noite e a insônia persistia. Pela brecha da janela observava um pedaço de rua deserta. Um coral de cachorros latia nos arredores. Um galo precipitado já anunciava a manhã distante. O locutor da rádio entrevistava um novo cantor baiano. No intervalo, a vinheta soava baixo na madrugada calma coreauense. 
– Sociedade, Salvador, Bahia! 
Deitado na rede da sala, com apenas doze anos, esperava ansioso o relógio marcar quatro horas para reunir os colegas da sexta série do Vilebaldo Aguiar e irmos para a educação física. 
Nem o balanço da rede conseguia atrair-me o sono. Algo me irritava a garganta. Na tentativa de aliviar o incômodo, forcei as cordas vocais e me saiu um som gutural estranho, repetido algumas vezes. 
Uma voz grave comentou no quarto do lado: 
– Leda, esse menino 'tá meio abestado! 
Não dei cartaz. Segui pela madrugada procurando o sono, sem conseguir tirar da cabeça a aula de educação física, resumida basicamente numa partida de futebol na quadra do Grupo. 
Do relógio da praça soou uma batida. Devia ser meia-noite e meia; uma da manhã, talvez; ou mesmo já uma e meia. Seria difícil jogar sem ter pregado os olhos durante a noite inteira. 
Às três horas, em ponto, a banda de música quebrou a monotonia da rua, tocando Luiz Gonzaga, Roberto Carlos e Ravel em frente à casa de algum aniversariante. Chico Irineu no trompete e Canarinho no trombone aplacaram-me a inquietação. Desliguei o rádio. Menos tenso, tentei cochilar. 
Acordei com alguém batendo na porta. Era Raimundinho, Nonon e Chico. 
– Etim, 'bora pra física! 
Seguimos pela rua lateral. Despertamos Delmon, Pitica, Louro, Zoélio e Celino; depois, subindo pelo Rabo da Gata, chamamos Marcinho e Jean e partimos rumo à praça, onde já havia outro grupo. 
Depois de uma provocação insolente, Chico correu, em volta da Coluna da Hora, com uma pedra na mão, no encalço do irrequieto Jean. 
Como ainda era quatro e meia, fomos alguns à mercearia do Chico Cristino, tomar um café quente com tapioca de coco. Na volta, acordamos professor Ivan e, enfim, caminhamos para o futebol. 
Antes do início da partida, professor Ivan nos pediu alguns exercícios. Dez voltas na quadra miúda, algum alongamento, umas flexões abdominais... Nada para além de dez minutos. 
Jogávamos até às seis, quando a bola não se perdia pelos quintais vizinhos depois de um chute mais forte. Com o apito final do professor, seguíamos para casa pelas ruas estreitas da Palma, que já despertava lentamente para o novo dia.

Eliton Meneses

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