domingo, 10 de março de 2013

Dona Livramento, a filha do sofrimento - por João Teles

NOSSO ROMANCE INTEIRIÇO, para os amantes da Literatura de Cordel:

DONA LIVRAMENTO, A FILHA DO SOFRIMENTO

1. Sei que os deuses do Olimpo
Vão me dar inspiração
Para narrar com tempero
E alguma devoção
Fatos manchados de dor
Doença vil e oração.

2. Livramento só viveu
Em nosso árido sertão
Cresceu em meio ao temor
De uma seca, com razão
Pois sabia que uma seca
Rima com desolação.

3.Muito nova se casou
Com Tomaz, um homem bom
Logo veio a embiricica
De meninos - foi um dom
Com muito trabalho e força
Nunca soltou o guidom!

4.E Tomaz corria o mundo
À procura de feijão
Era forte, destemido
Pra trabalhar, um leão
Os filhos sempre no apoio
Lá no sofrido sertão.

5.O tempo passou e veio
Longa era de sofrer
A filha mais velha Menta
Viu na rede esmorecer
E em três dias de dor
Sua face se desfazer!

6.Livramento, em meio a prantos
E o apoio de Tomaz
Viu a filha lutadora
Ligeira que nem um ás
Perder a vida, tão boa
Sem conhecer um rapaz!

7.A dor logo fez morada
Naquele peito cristão
Rezou muito, fez pedido
A Padre Cícero Romão
Iria, sim a Juá
Buscar a consolação!

8.Não demorou muito tempo
A tragédia se ampliou
Tomba outra filha adulta
O mistério se infiltrou
Livramento quase explode
A dor se multiplicou!

9.É difícil conviver
Com uma dor sem igual
Onde a incerteza reina
E isso não é normal
Em uma família unida
De espírito fraternal.

10.Já era a segunda filha
Que Livramento perdia
Tanto pranto, tanta dor
Livramento se partia
Por dentro do velho peito
Um mundo se remexia!

11.E não parou por aí
O seu lamento cristão
Logo, logo ela se viu
De novo, de Deus na mão
Mias uma filha querida
Desabou e foi ao chão!

12.Três duros golpes nos ombros
Aquela mulher sentiu
De repente, para ela, o mundo
O mundo se repartiu
Suas meninas de ouro
O tal mistério suprimiu!

13.Livramento olhava o céu
Sem mais nada compreender
Suas moças, logo três
Ela viu, ali, morrer
Santo Deus o permitiu
Queria vê-la sofrer?

14.Quando a tragédia golpeia
Um ser vivo, um cristão
Deixa marcas em relevo
Dá chutes no coração
É difícil suportar
É preciso fé, então!

15.A criatura de que falo
Teve mais, mais sofrimento
Um filho seu, de maior
Lhe digo sem fingimento
Um dia, por brincadeira
Caiu ali, ao relento!

16.Brincando com ferros velhos
Que estavam no monturo
Levou logo uma pontada
De algo pontiagudo
Desabou feito criança
Rendido por treco duro!

17.E abateu-se por tétano
Cruelmente atingido
O corpo veio do hospital
Houve choro não fingido
Livramento já não tinha
Lágrimas - bem entendido!

18.Quatro seres tão queridos
De família de partilha
Aquilo não ocorria
Não se via na cartilha
A notícia varou mundo
Palpites surgiram em pilha!

19.Por que aquela família
De bom nome, povo bom
Sofria aquele revez
Ouvia naquele tom
O grito da natureza
Seria esse seu dom!?

20.Depois de uma trégua boa
Bons momentos de ilusão
De prece e boataria
E de dor no coração
Já em uma casa nova
Começou a reconstrução!

21.Na casa velha deixara
Lembranças, eito, memória
Dos carnaubais o bom corte
Das farinhadas a glória
As redes tão bem trançadas
E a vida bem simplória!

22.Seu Tomaz, um diligente
Sempre bem cuidou de tudo
Era sempre o formiguinha
Com tristeza, sei, contudo
Mas, diante do bom Deus
Nunca se fez um miúdo!

23.Após tempo de bonança
De produção, calmaria
O destino do tal homem
Ele agora chamaria
Tomaz arriou, doente
Coração velho gemia!

24.Durou dois dias somente
Sua dor tão desmedida
Mais uma vez Livramento
Ao transtorno voltaria
Ao ver que o marido bom
Para o além partiria!

25."Sua dor doeu mais forte"
Como diz lá o cantor
A filha do sofrimento
Novamente desandou
Tropeçou nas próprias pernas
Por pouco não se acabou!

26.Seu Tomaz partiu depois
De quatro filhos se irem
De tanto seu coração
De rurícola ferirem
De tanto pranto e descrença
De sentimentos partirem!

27.Sepultado Seu Tomaz
O vazio se fez ver
Naquela casinha pobre
De um povo a merecer
Tanta tristeza conjunta
Todo mundo a perecer!

28.Uns dois anos se passaram
De saudade e calmaria
Livramento se apegava
A Deus, à santa Maria
Pois queria compreender
Tanta dor, tão sem valia!


 29.Mas sua sina era sofrer
Dor vinha de borbotão
O filho mais novo seu
Pela mulher de então
Foi traído em leito próprio
"Que sujeita sem criação!


30.Surgigado pelo crime
Da companheira traíra
Filomeno fez-se dor
Para sempre ela mentira
Lhe jurando amor sem fim
Na cilada ele caíra!


31.Nem respeito aos filhos teve
Embiricica de oito
A mulher do tal adúltero
Se planejou e em coito
Com um filho muito novo
Arisco, sagaz, afoito,...


32.... E mandou surrar Torquato
Seu marido traidor
Que, partido de chicote,
Se urinou todo, em dor
Não resistindo aos ataques
No mato, ali, se findou!

João Teles

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